João LaetDe papamóvel, mas sem o aparato de segurança, Francisco inaugura na Jornada da Juventude, um papado sem barreiras
Entre tudo isso, ele conquistou milhões de fiéis e os principais veículos de imprensa, atraindo a segunda maior multidão já reunida em uma missa papal. Tudo isso deve fornecer a ele certa segurança à medida que for fazendo o que foi eleito para fazer: reformar não apenas a disfuncional burocracia do Vaticano, mas também a própria igreja, usando sua personalidade e sua história pessoal como modelo. “Ele está restaurando a credibilidade do catolicismo”, afirmou o historiador Alberto Melloni. Mas esse entusiasmo não é compartilhado por todos.
O antecessor de Francisco, Bento XVI, afagou os católicos tradicionalistas presos à antiga liturgia latina e se opôs às reformas modernizadoras do Concílio Vaticano II. Esse grupo recebeu a eleição de Francisco com preocupação e agora está vendo seus piores temores se tornarem realidade. Francisco falou publicamente e privadamente contra tais “grupos restauradores”, que ele acusa de serem retrógrados e sem ligação com a missão evangelizadora da igreja no século 21.
Sua decisão de proibir os padres de uma ordem religiosa de celebrar a antiga liturgia latina sem autorização explícita pareceu anular uma das maiores iniciativas do papado de Bento XVI: um decreto de 2007 permitindo amplo uso da liturgia latina anterior ao Concílio Vaticano II para todos que assim quisessem. O Vaticano negou que Francisco estivesse contradizendo Bento XVI, mas esses católicos tradicionais veem as palavras e as atitudes do atual papa como uma ameaça. “Seja inteligente. Haverá um momento no futuro em que as pessoas entenderão o que o Concílio Vaticano II significa e o que não significa”, alertou o reverendo John Zuhlsdorf a seus tradicionalistas leitores em um blog.
Até católicos conservadores mais posicionados ao centro não estão de acordo com Francisco. Em uma entrevista ao National Catholic Reporter, o arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput, disse que os católicos de centro-direita, “no geral, não estão muito felizes” com Francisco.
Vale destacar que Francisco não mudou nada com relação ao ensino religioso. Nada que ele disse ou fez é contrário à doutrina; tudo que ele disse e fez está em linha com os conceitos cristãos de amar o pecador, mas não o pecado, e ter uma igreja de compaixão, acolhedora e misericordiosa. Mas o tom e as prioridades podem por si só constituir mudanças, especialmente quando se considera questões que não têm sido enfatizadas, como a doutrina da igreja sobre o aborto, o casamento gay e outras questões.
O jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, usou a palavra “gay” talvez pela primeira vez em seus 150 anos de história em um artigo elogiando as mudanças trazidas por Francisco. “Em apenas poucas palavras, a novidade foi expressa claramente e sem ameaçar a tradição da igreja”, afirmou o jornal sobre os comentários de Francisco com relação aos gays e às mulheres. “Você pode mudar tudo sem mudar as regras básicas, aquelas nas quais a tradição católica é baseada.”
A principal manchete de Francisco veio durante sua viagem de volta do Brasil à Itália, quando ele foi perguntado sobre um monsenhor que supostamente teve uma vez um namorado gay. “Quem sou eu para julgar?”, questionou Francisco. Sob circunstâncias normais, tendo em vista a moralidade sexual em jogo na Igreja Católica, classificar alguém como ativamente gay é um golpe mortal para o avanço na carreira. Autoridades do Vaticano que buscam nomeações para altos cargos frequentemente avaliam se alguém pode ser chantageado. No entanto, Francisco afirmou que ele mesmo investigou as acusações e não encontrou nada que as sustentasse. E independentemente disso, se alguém é gay e se arrepende, Deus não apenas perdoa, mas esquece. Francisco disse que todos deveriam fazer o mesmo.
Mais perto do povo
Desde o momento em que o papa pisou em solo do Rio de Janeiro, ficou claro que mudanças estão por vir. O papamóvel não tinha blindagem, era apenas um sedã - que foi engolido por fiéis quando se perdeu e ficou preso no trânsito. Em vez de se recolher com medo, Francisco abriu a janela do carro. Como até recentemente os papas eram carregados em cadeiras para mantê-los acima da multidão, esse gesto sozinho foi revolucionário.Francisco disse a 35 mil peregrinos de seu país, a Argentina, que fizessem mudanças em suas dioceses, chacoalhassem as coisas e fossem às ruas para espalhar a fé, mesmo à custa de confrontos com os bispos. No Rio de Janeiro, ao se misturar à multidão, Francisco liderou pelo exemplo.
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